Atleticano não se faz… Nasce Atleticano

Salve Massa!

19 de dezembro de 1971 – Maracanã, Rio de Janeiro. Botafogo x Clube Atlético Mineiro. Lá no radinho de pilha, ouvia-se a voz de Vilibaldo Alves: “18 minutos do segundo tempo, recolhe a bola Tião. Ainda Tião pela ponta esquerda. Devolve a bola para Humberto Ramos. Passou pela marcação, ainda com Humberto Ramos. Ele vai pela linha de fundo. Sensacional Humberto Ramos, cruzou para a meta, é para Dario, cabeça na bola é gol!!! Gooooooooool”.

E o grito de gol ecoava nos corredores de uma maternidade, através de o choro de um garoto que nascia naquele exato momento, há mais de 450 quilômetros de distância do Maracanã. A torcida do Galo fazia festa e se preparava para receber o heroico time. Enquanto isso, o pai da criança que nascera ali, naquela maternidade, tinha grandes sonhos e planos para o filho.

Dois dias após o retorno da equipe do Clube Atlético Mineiro à capital mineira, pai, mãe e filho, voltam da maternidade para casa. O Primeiro presente? Um short azul com listras brancas, que o pai mandou fazer (naquela época não havia material de times de futebol para bebês, como hoje em dia) para mostrar a todos, que ali, naquela casa, nascia mais uma criança “palestrina”.

O rebento cresce e entre as primeiras palavras, para o desespero do pai, vez ou outra sai um “Gaaalôôô!!!”. “E agora?” Pensa o pai apavorado. “Preciso tomar uma providência. Esse menino não pode torcer para o Galo. O que o pessoal da empresa vai falar? E meus amigos? Minha família?” O pai corre para batizar o menino – devidamente vestido de azul – e joga um litro de água benta, faz macumba, promessa para São Longuinho, São Judas Tadeu, vai passar o réveillon no Rio e pula sete ondas com o garoto no colo e acha que fez tudo certo. Logo no dia de reis, escuta o menino gritar “Gaaalôôô”.

Naquela época, o time da raposa banguela tinha um ídolo. Um goleiro que inovou ao usar uma camisa amarela (e por isso recebeu o carinhoso apelido de Wanderleia). E esse ídolo era muito amigo do pai do garoto. Compram camisa infantil amarela, nº 1, cinco estrelas no peito e o próprio Wanderleia, entrega a camisa para o garoto que, naquele momento, sem entender nada, aceita vestir a camisa amarela, para a felicidade geral do pai e de Wanderleia.

Feliz, orgulhoso e dono de si por finalmente catequizar o rebento na arte da pederastia celeste, naquele mesmo final de semana, na tarde de domingo, enquanto saboreia uma Malte 90 e fuma um Continental, acompanha o filho e amigos, jogando futebol. Ao se aproximar do “campo” para ver melhor a “pelada”, vê o filho disparar pela esquerda, driblar o primeiro, dá uma caneta no segundo, troca passes com o filho do dono da mercearia, lençol no filho do alfaiate e bate para o fundo do gol! E o garoto corre, comemorando com os braços esticados para os céus e gritando “Gaaalôôô!”.

Como um general que acaba de perder a guerra, o pai é tomado por uma mistura de raiva e tristeza. Afasta-se dali e promete para si mesmo que não fará mais nada! Se com todas as tentativas, nem com a força de todas entidades sobrenaturais o garoto não mudou; se mesmo depois de pedir para Cuca, Curupira, Saci Pererê, Iara, Mula-Sem-Cabeça, Boitatá e seus asseclas, o garoto ainda é atleticano; se nem mesmo o goleiro superstar Wanderleia, com todo o seu poder amarelo purpurinado, conseguiu converter o menino em um seguidor de maria, quem seria ele, um simples pai, para converter o rebento?

A partir dessa derrota, coube ao pai apenas provar que o filho fez uma péssima escolha. E nas derrotas que o time do Galo sofre, o pai aproveita para potencializar o sofrimento do garoto, com chacotas e gargalhadas. O tempo passa e por fim, o pai se dá por vencido diante do irredutível amor do filho pelo Clube Atlético Mineiro. Para. Deixa pra lá… Não tem jeito.

O garoto já tinha 8 anos de idade e ao contrário dos colegas, jamais havia ido ao Mineirão e sempre que o pai o convidava, o garoto prontamente dizia, “Se é para ir no jogo do seu time, não vou papai. Sou Galo e pronto!”.

Era um domingo, dia 03 de setembro de 1978, mais uma manhã de domingo, o pai diz ao filho, “Filho, topa irmos ao Mercado e de lá vamos para a casa da sua avó?”. O garoto adorava ir ao Mercado Central e enquanto estavam lá, o pai pediu para o filho esperar ali na banca de produtos da roça e ajudar o amigo, pois ele iria resolver uma coisa e voltava logo. O garoto mal sabia o que lhe aguardava. O pai voltou e partiram para a casa da avó materna, onde eram as reuniões nos finais de semana e que ficava a poucas quadras do Mineirão.

Quando o ônibus chega ao destino, bandeiras do Galo por todos os lados, gente gritando, dançando e se preparando para entrar no estádio. A mãe está no ponto aguardando filho e pai. Ao descerem do ônibus, o pai entrega as sacolas para a mãe, mas antes tira um embrulho. Ao abri-lo, o garoto tem um brilho nos olhos enquanto passava as mãos pelas bochechas, sem acreditar que o pai, cruzeirense, havia comprado uma camisa do Galo para ele. Pai e filho se abraçam e o pai diz: “agora vamos no jogo, mas você não pode contar para ninguém que eu não sou Atleticano, combinado?”. O garoto balança a cabeça, consentindo, de uma forma tão frenética que parecia estar ouvindo Iron Maiden.

Ganham o estádio, passam pelos bares, sobem as escadas e também ganham a arquibancada, a torcida já gritando Galo sem parar, a charanga do Galo é puro samba e empurra a torcida o tempo todo. A cada gol de Marcinho, Paulo Izidoro e Ziza, da vitória do Galo por 4 a 0 contra o Valério, pai e filho se abraçam e sorriem. Voltam para casa da avó fazendo festa por todo o caminho. Sonho de pai e filho, estarem juntos no Gigante da Pampulha, havia sido realizado.

24 de julho de 2013 – Mineirão, Belo Horizonte. O Clube Atlético Mineiro se sagra Campeão da Libertadores. Aquele mesmo menino, agora homem, está lá, testemunhando ao vivo mais essa conquista. Chora aos soluços, não aquele choro da redenção que 99% das pessoas ali sentiam. Era choro de agradecimento ao pai, por ter respeitado e valorizado a sua Atleticaniedade, era choro de saudades também, por não ter mais os braços do pai, como naquela tarde de 03 de setembro de 1978, quando pela primeira vez em sua vida, ao lado do pai, exerceu seu direito e amor ao Glorioso Clube Atlético Mineiro.

Esporada neles, Galo!

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